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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Residencial Ulysses Guimarães - Belém, Pará (1997)

A má distribuição da renda, característica de países do terceiro mundo como o Brasil, provoca desequilíbrios de natureza diversa, dentre os quais o déficit habitacional aparece como um dos mais sérios problemas enfrentados pela população. Estima-se que haja um débito de mais de 15 milhões de unidades, o que coloca aproximadamente 75 milhões de pessoas morando sob condições abaixo de qualquer padrão internacional mínimo de habitabilidade. Infelizmente, no Brasil, esse problema não tem recebido as devidas atenções oficiais, pois a evolução dos números acima citados denotam um agravamento progressivo da questão da moradia. Essa piora do quadro, entretanto, não se deve à carência de idéias ou de soluções técnicas para o assunto, pois existe farta bibliografia de propostas de atuação para esse problema. As maiores dificuldades estão no descaso do poder político, responsável pela implementação de planos nesse sentido, o qual não tem priorizado a habitação em suas metas de governo.
A construção do Conjunto Habitacional Ulysses Guimarães, portanto, vem ao encontro das necessidades da população (ou de significativa parcela dela), e constitui-se em iniciativa que deveria ser atividade cotidiana da administração pública e não episódica como se tem apresentado.
A proposta que ora apresentamos para as habitações a serem erigidas na área em questão tem como objetivo fundamental a alocação do maior número possível de famílias, em unidades que apresentem aceitáveis condições de habitabilidade e que possam ser produzidas a um custo que permita suas comercializações a preços compatíveis com o poder aquisitivo da faixa de mercado a que se destinam.

TIPOLOGIA ADOTADA

A COHAB sugeriu no edital publicado que as habitações fossem distribuídas em blocos de três pavimentos, podendo os térreos serem ocupados em no máximo 50% para unidades também. Essa tipologia permite que se busque adensamento, a partir da verticalização das habitações, sem aumento excessivo dos custos de execução. A colocação de apartamentos no térreo, apesar de se constituir em obstáculos à passagem dos ventos pelo “efeito pilotis” e prejudicar a privacidade das unidades térreas, apresenta-se como única alternativa para atender à demanda das famílias que possuirem membros com limitações físicas que os impeça de subir escadas.
A distribuição dos apartamentos em cada pavimento foi solucionada tomando como referência os partidos das unidades habitacionais dos bairros operários das cidades industriais européias, desenvolvidas nos meados do Séc. XIX. Esse período, denominado por alguns autores de “Segunda Revolução Industrial”, caracterizou-se, entre outras coisas, pelo adensamento da população operária em bairros específicos, em edificações projetadas para serem executadas ao mais baixo custo possível. O partido em planta desses edifícios era, em sua maioria, composto por uma escada para dois apartamentos em cada pavimento. As paredes laterais eram cegas (sem aberturas) para permitir a repetição desse conjunto de acordo com a necessidade, compondo blocos lineares. Cabe ressaltar que a busca excessiva pela economia nessas unidades acabou produzindo unidades que, apesar de possuirem partido nesse sentido correto, apresentavam áreas muito pequenas tornando os apartamentos, em alguns casos, quase inabitáveis.

Figura 1 - As casas operárias apresentadas na Exposição Universal de Paris de 1878; as casas operárias-modelo realizadas em Pancras Road, Londres, em 1848. Fonte - História da Cidade (Leonardo Benevolo)

Cem anos mais tarde, o princípio compositivo do “dois por andar” foi recuperado e otimizado pelos arquitetos cubanos nos conjuntos habitacionais erigidos após a Revolução, os quais destinavam-se a abrigar grande parte da população que vivia em condições precárias por todas as cidades da ilha.
Conforme se observa, o partido adotado foi utilizado com sucesso em dois significativos momentos da história nos quais se precisou construir muito gastando pouco.
As vantagens do “dois por andar” utilizado não se restringem apenas à economia de área e, consequentemente, de custos de produção que o partido possibilita, já que eliminam-se os tradicionais e caros corredores para atingir às unidades. A distribuição “em fita” permite que se tenham todas as unidades voltadas para um só lado, orientando-se os blocos de acordo com as melhores possibilidades de captação de ventos e de proteção do sol. Além disso, as paredes laterais cegas permitem arranjos diferenciados e modulações múltiplas, compondo-se os blocos do tamanho que se necessitar.

PROCESSO CONSTRUTIVO E MATERIAIS UTILIZADOS

De acordo com a leitura das sondagens do terreno, não poderá ser utilizado o mesmo tipo de fundação para todas as edificações. Existem trechos da área que admitirão fundações diretas (sapatas) enquanto que outros neessitarão de soluções mais profundas (estacas). Sugere-se, entretanto, que esse assunto deva ser discutido mais detalhadamente no caso do projeto vir a ser aproveitado pela COHAB.
A estrutura dos blocos será convencional (pilar, viga e laje) em concreto armado até a primeira laje. A partir daí os apartamentos serão executados em alvenaria portante de tijolo cerâmico (dimensões 9 x 13 x 28 cm) assentes a “singelo”, a qual possuirá uma pequena percinta de coroamento para receber a laje, esta igualmente convencional. O pé direito foi dimensionado de forma a não necessitar de complementos na parte superior da alvenaria, os tradicionais “charutos”. As medidas em planta também obedecem a uma modulação de forma a minimizar as quebras dos tijolos e, consequentemente, evitar desperdícios de material. Não haverá laje de forro no último pavimento, sendo sua alvenaria “respaldada” apenas com a percinta. Os volumes das escadas, os quais abrigarão as caixas d’água em suas parte superiores serão cobertos por pequenas lajes impermeabilizadas. Essas caixas (7.000 litros) serão em fibra de vidro e ficarão suspensas por estruturas de madeira.
Durante a fase de concepção do projeto chegou-se a ventilar a hipótese da utilização de sistemas estruturais alternativos (alvenaria de blocos de cimento, por exemplo) e, a princípio, mais baratos. Entretanto concluiu-se que o porte da construção desse conjunto não justificaria a adoção de outro sistema que não o convencional, de vez que os custos de implantação de outro processo construtivo (usinagem “in loco” e treinamento de mão de obra) seria percentualmente elevado em relação ao custo global do empreendimento.
A cobertura será em telhas de barro estruturadas em madeira, não apenas pelo seu desempenho térmico, mas também pelo objetivo estético que se busca nesse projeto.
As esquadrias externas serão metálicas, sugerindo-se a marca Sassazaki em função de seu custo e de sua durabilidade. Os quartos e salas possuirão uma esquadria de 1,20 x 1,20 com duas folhas em venezianas. Os banheiros receberão um balancin basculante com vidro medindo 0,60 x 0,60. As cozinhas terão um balancin com as mesmas características do utilizado nos banheiros, mas com medidas de 1,20 x 0,60. Já as áreas de serviço, a princípio, terão apenas um vão de 1,20 x 0,60, podendo receber esquadria idêntica à das cozinhas, se a COHAB assim determinar. As portas e esquadrias das áreas condominiais (portaria e lixo) serão igualmente metálicas, do mesmo fabricante sugerido acima. Com relação às portas internas e externas das unidades, serão utilizadas portas em madeira do tipo Eucatex com ferragens tipo Fama ou outro conjunto similar. Na abertura para ventilação e iluminação da escada será utilizado o “tijolo de boca”, impermeabilizado com produto a base de silicone.
Para os revestimentos internos sugere-se o azulejo para as áreas molhadas e o reboco paulista com pintura PVA para os demais ambientes. Todos os pisos receberão lajotas cerâmicas, com exceção do play-ground coberto no térreo, o qual será cimentado com juntas plásticas. Os forros (onde houver necessidade) serão todos em madeira, sendo o gesso ou o PVC opções alternativas. O revestimento externo dos blocos será em reboco paulista pintados com tinta PVA para exteriores, conforme sugestão da COHAB. Esse reboco, conforme expresso em projeto, terá ranhuras que funcionarão como dilatações para retardar o quase inevitável processo de rachadura supeficial desse tipo de revestimento.

IMPLANTAÇÃO E URBANIZAÇÃO

O partido em planta, conforme já se mencionou, permitiu arranjos diversos e composição de blocos de tamanhos variados. Essa irregularidade de tamanho dos blocos foi estratégia para se tentar garantir a penetração dos ventos por toda a extensão do conjunto. Procurou-se implantar os blocos de menor tamanho nas extremidades do terreno voltadas para os sentidos das dominantes da ventilação, para que esta pudesse passar pelos espaços entre eles e atingir os outros blocos no interior do conjunto, blocos esses de maior extensão. Também se procurou liberar os pilotis dos blocos menores igualmente para facilitar a penetração dos ventos.
A orientação dos blocos sugerida pela COHAB foi seguida à risca pelo projeto, variando-se o eixo longitudinal de 20 a 30 graus em relação ao eixo LESTE-OESTE, tanto no sentido horário como no anti-horário. Essa variação de direção não apenas possibilitou satisfatória ventilação nas diversas dominantes do conjunto como um todo, com os blocos podendo receber ventilação através das duas fachadas longitudinais, como, também, proteger as áreas teoricamente mais nobres (salas e quartos) da insolação vespertina. A variação do posicionamento dos blocos, entretanto, não se deveu apenas a questões de conforto ambiental. Também utilizou-se a rotação dos blocos como forma de conseguir o maior número possível de unidades sem prejudicar as condições de habitabilidade (privacidade, salubridade, etc.). Além disso, procurou-se reduzir a extensão de áreas pavimentadas ao mínimo como forma de economia de custos e de maximização das áreas verdes.
A utilização de blocos de tamanhos variados implantados sob orientações diferentes contempla a possibilidade de mudar a imagem dos conjuntos habitacionais tradicionais. A idéia de padronização de unidades implantadas uniformemente por eles consolidadas sob justificativas econômicas e até mesmo conceituais, conduz ao anonimato individual ou coletivo historicamente rejeitado pelo homem. Portanto a proposta apresentada objetiva, a exemplo de diversas outras experiências já existentes, criar um conjunto que possa ser lido como um lugar com identidade própria, e que possua lugares também identificáveis dentro de si.
Além das ruas (todas com 6,00 m. de leito carroçável e calçadas de 1,20 m.) e dos edificios, podemos destacar três elementos urbanos existentes no conjunto: a praça, o parque e a área de lazer. A praça, normalmente lançada em espaços residuais nos tradicionais conjuntos, foi posicionada na frente do conjunto para ser um elemento de integração entre este e a rua. Atuará como marco dos acessos a essa área e sua localização possibilitará que seja frequentada por habitantes não apenas dos novos blocos, mas, também, de toda a redondeza, o que garantirá permanente vitalidade a esse espaço. O parque foi posicionado mais para o interior do conjunto já que se destina ao público infantil. Ficará “escudado” por dois blocos e por duas vias locais, assegurando proteção às crianças que dele se utilizem. A área de lazer será composta basicamente por um campo de futebol, uma quadra polivalente e duas quadras de vôlei e será lançada nos fundos do terreno. Esse posicionamento tem como justificativa não apenas a tentativa de isolar essa área a qual constitui-se, inevitavelmente, fonte de poluição sonora, como também afastar ao máximo os blocos habitacionais do Colégio Madre Celeste (vizinho dos fundos), para que não haja incomodações recíprocas.
Não se julgou necessária a alocação de áreas para outros equipamentos como comércio e serviços, por exemplo, pois, conforme constatado no local, a área em questão é bastante rica em equipamentos não apenas dessa natureza como de ouras também. Estão sendo apresentadas duas formas de urbanização: a OPÇÃO 1, que não prevê aberturas do conjunto para a via lateral existente, possibilitando até um eventual fechamento dos blocos em condomínio, e a OPÇÃO 2, a qual estabelece 2 pontos de acesso laterais para o novo conjunto. Ficará a critério da COHAB a resolução de qual das alternativas seria mais interessante para o empreendimento.
A parte de urbanização terá como materiais básicos o asfalto para as vias (tendo como opção os blocos de cimento), o piso cimentado para as calçadas e placas de argamassa ou de concreto pré-moldado para os caminhamentos.

ABASTECIMENTO DE ÁGUA

Até o presente momento a COSANPA não respondeu ao nosso questionamento se conseguirá atender à nova demanda quando o conjunto estiver concluído. Se a resposta for afirmativa, deverá ser construída uma caixa d’água com capacidade para 125.000 litros e uma cisterna para 60.000 litros. Se a resposta for negativa, dever-se-á perfurar um poço artesiano para alimentar o referido reservatório elevado, dispensando-se a cisterna. Essa caixa atenderá a todo o conjunto e será localizada no ponto de cota mais elevada do terreno (próxima à área de lazer) para facilitar o abastecimento dos blocos.
Além desse castelo d’água, cada bloco possuirá seus reservatórios próprios, devendo os mesmos ser posicionados no alto do volume das escadas, atendendo, portanto, a dois apartamentos por pavimento. Esses reservatórios possuirão 7.000 litros cada, devendo ser em fibra de vidro e suspensos, como já se mencionou, por estruturas de madeira. Suas bombas de recalque ficarão sob o primeiro patamar da escada.
As caixas de incêndio ficarão, como manda a norma, no hall das escadas e a pressão na mangueira do 3o. pavimento será garantida por uma bomba. Por motivos econômicos e estéticos, decidiu-se posicionar a caixa d’água abaixo da altura normativa para que se atinja a pressão adequada na referida caixa de incêndio, daí a necessidade do uso da bomba.
As colunas de água fria, bem como as descidas de esgoto ficarão nos cantos das paredes a serem definidas posteriormente.
ESGOTAMENTO PLUVIAL E SANITÁRIO

Toda a rede de esgoto será canalizada para a vala existente no terreno. Evidentemente essa vala será tubulada (dois tubos de 1,20 m. ou de 1,00 m.) e retificada, passando a posicionar-se na lateral do terreno que confina com a área da marinha. Será executada uma rede interna de esgoto, para conduzir o efluente até uma estação de tratamento posicionada na frente do conjunto, estação essa dotada de filtros anaeróbicos que prepararão o material a ser despejado na vala tubulada. Essa vala será ligada diretamente à tubulação que despeja no canal da macrodrenagem da cidade, o qual chega até o outro lado da Rodovia Augusto Montenegro.
A pesquisa feita na rede de esgoto existente no conjunto ao lado desaconselhou o seu uso, de vez que o diâmetro das tubulações não aguentaria a nova demanda e a estação elevatória encontra-se desativada.

ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E REDE DE TELEFONES

O abastecimento de energia elétrica será convencional, com o posteamento em concreto acompanhando as vias do conjunto, havendo transformadores e iluminação pública onde houver necessidade. Cada conjunto de escadas será, para efeitos de abastecimento, considerado como um bloco, havendo, dessa forma, padrão de entrada e medidores em cada portaria.
Com relação à rede de telefones, serão utilizados os postes de iluminação, com os armários posicionados onde houver necessidade.

DISTRIBUIÇÃO DAS UNIDADES E ESTIMATIVA DE CUSTOS

Foram alocadas na área fornecida um total de 204 unidades, distribuídas da seguinte forma:

- 58 unidades de 3 quartos com área útil de 52,40 m2 (28,43%)
- 100 unidades de 2 quartos com área útil de 43,21 m2 (49,01%)
- 46 unidades de 1 quarto com área útil de 31,46 m2 (22,56%)

Os condomínios deverão der formados tomando-se como referência a escada, ou seja devem ser considerados como ambientes de cada bloco uma portaria, um depósito de lixo, a escada, e as unidades habitacionais por ela servidas. Nos blocos onde houver mais de uma escada deverão ser considerados como conjunto de blocos geminados. Todos os estacionamentos serão externos, o que libera o térreo das edificações não apenas para o lazer, como também para o adensamento do conjunto, se assim a COHAB decidir.

A área total construída será de 14.410,44 m2.
A área total projetada será de 3.602,61 m2.
O índice de ocupação alcançado foi de 0,14.
O índice de aproveitamento chegou a 0,58.

O custo estimado para o metro quadrado das edificações é de R$ 258,15 (extraído da revista CONSTRUÇÃO NORTE-NORDESTE, Editora Pini, edição de setembro de 1996).

PLANO DE TRABALHO E EQUIPE TÉCNICA

No caso do projeto aqui apresentado ser o escolhido para execução, o projeto executivo será entregue à COHAB em um prazo máximo de 40 (quarenta dias) a contar da emissão da ordem de serviço. A equipe de trabalho será composta pelos arquitetos José Maria Coelho Bassalo (CREA 5934-D PA) e Alexandre Câmara Dantas (CREA 9354-D PA). Os demais profissionais envolvidos ainda não estão definidos.

Todos os aspectos que foram omitidos nesse memorial devem-se a eventuais esquecimentos ou ao fato de fazerem parte de um grupo de itens os quais podem ser discutidos posteriormente, no caso da COHAB utilizar esse projeto. A esses aspectos podem-se juntar, também, questões como desenho das fachadas (cores, etc.) e as especificações de revestimentos aqui apresentados como sugestão, mas que podem ser substituídos se a COHAB assim determinar.

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