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sábado, 23 de janeiro de 2010

Residencial Jardim Jaçanã - Belém, Pará (1998)

A distribuição desigual de renda, característica de países do terceiro mundo como o Brasil, provoca desequilíbrios de natureza diversa, entre os quais o déficit habitacional, quantitativo e qualitativo, destaca-se como uma das mais sérias dificuldades enfrentadas pela população. Estima-se um débito superior a 10 milhões de unidades, o que significa, aproximadamente, 50 milhões de pessoas morando em condições abaixo de qualquer padrão mínimo de habitabilidade. Esse problema, como se sabe, contribui para a consolidação de variados processos de exclusão social que, a cada dia, atingem um número maior de brasileiros.
Infelizmente, em nosso país, a questão da moradia não tem recebido as devidas atenções oficiais, pois a evolução dos números acima citados denota um agravamento progressivo do quadro habitacional. As políticas de habitação, ao que se constata, não são prioridades do poder público, apresentando, assim, caráter essencialmente episódico.
Nas últimas décadas, a maioria das circunstanciais propostas governamentais para a redução do déficit habitacional, voltou-se para o seu lado quantitativo, buscando maximizar o número de unidades construídas. Entretanto, muitas vezes, no afã de produzir numéricas alterações estatísticas, as ações públicas têm agravado o aspecto qualitativo do problema. Gigantescos conjuntos habitacionais, concebidos por esse tipo de política, raramente proporcionam boa qualidade de vida aos seus moradores, comprometendo, por exemplo, a salubridade social, dificultando, entre outras coisas, as relações humanas circunscritas a esses complexos. Além do mais, a desmedida escala de tais conjuntos obriga suas implantações nas periferias das cidades, os únicos locais a disporem de glebas com extensões suficientes para abrigarem aquelas estruturas, entretanto em pontos de baixa acessibilidade.
Como se observa, esses tipos de ação, embora diminuam a conta das lacunas habitacionais, pouco contribuem para o progresso social da população como um todo, pois a eventual inconveniência espacial colabora, também, para o desenvolvimento de outros problemas, os quais fogem ao escopo dessas reflexões.
Nos últimos anos, o conceito que determina as atuações oficiais no setor em questão vem adquirindo nova feição, a nosso ver mais correta, pois buscam a redução não apenas quantitativa, mas, também, qualitativa do déficit habitacional. Recentemente, as moradias construídas pelo poder público, traduzem, por meio de suas características físicas e locacionais, preocupações com o conforto físico e social de seus residentes. O Conjunto Residencial Jardim Jaçanã, aqui apresentado, é produto de um programa governamental habitacional, concebido para colocar ao alcance de um grande segmento da população, a morada em condições dignas de habitabilidade.



Inserido em uma área de uso predominantemente habitacional, na qual as edificações apresentam, em sua grande maioria, gabaritos abaixo de 6 metros, o futuro Jardim Jaçanã, na nossa maneira de ver, deverá ser um conjunto residencial cuja morfologia integre-se na paisagem existente e que busque, através de suas formas, o equilíbrio entre o bem estar físico e social de seus moradores, equilíbrio esse nem sempre conseguido nas iniciativas habitacionais oficiais dos últimos anos.

TIPOLOGIA E URBANIZAÇÃO

Sugere-se que o conjunto seja constituído de tipologias horizontais, utilizando-se dois níveis para dispor as unidades, as quais serão geminadas lateralmente. Propõe-se a criação de quatro blocos de unidades, posicionados de modo a relacionar o conjunto com a rua para a qual tem frente, e, também, no seu interior, a criar áreas naturais de convivência.


O Bloco 1 volta-se para a rua SN-6, e é o principal responsável pela integração morfológica do conjunto ao seu entorno. Os demais blocos (2,3 e 4), abrem-se para o interior do conjunto conformando os espaços de uso coletivo (ruas e praça).
O partido urbano proposto utiliza o mais natural e elementar princípio das aglomerações habitacionais: “Frente com frente, fundo com fundo”. A história das cidades tem mostrado que a convergência das edificações em torno das áreas livres comuns, além de valorizá-las espacialmente, estabelece de forma natural destinações a todos os espaços, o que garante seus usos, e, em consequência, suas vidas.
Procurou-se fazer com que as áreas livres públicas (ruas e praça) não surgissem apenas como espaços residuais, não ocupados pelas edificações. Suas conformações não obedeceram, apenas, a implantação dos blocos, mas determinaram, também, suas localizações. As áreas livres, aqui, são intencionalmente desenhadas pela volumetria dos edifícios.


Não se julgou necessária a alocação de áreas para equipamentos como comércio e serviços, por exemplo, pois, conforme constatado no local, a área em questão é bastante rica em equipamentos dessa natureza.
A opção tipológica se justifica, também, pela necessidade de redução dos custos de construção. A solução horizontal (em dois níveis apenas), permitirá fundações menos profundas e, portanto, mais baratas. A disposição geminada das unidades também possibilitará um menor custo de obra, pois o uso de paredes meeeiras e instalações coletivas, por exemplo, é fator barateador não apenas de materiais como, também, de mão de obra.
A privatização (em forma de quintais) dos espaços que não possuirem uso público específico (ruas e praças, por exemplo) reduzem as áreas de responsabilidade da coletividade, atenuando seus custos de manutenção.

Os acessos são individuais para cada grupo de quatro unidades, duas térreas e duas no pavimento superior. As habitações térreas possuem quintal, e são idênticas às suas correspondentes do pavimento superior.

O conjunto apresenta 56 unidades assim distribuídas:

12 unidades de 1 quarto..................21,4%
22 unidades de 2 quartos................39,3%
22 unidades de 3 quartos................39,3%

A densidade conseguida foi de 387 hab/ha. Considerou-se que o conjunto, em terreno de 6.375 m2 (0,63 ha), abrigará 244 habitantes distribuídos da seguinte forma:

2 hab. para as unidades de 1 quarto..........24 hab (total)
4 hab. para as unidades de 2 quartos........88 hab (total)
6 hab. para as unidades de 3 quartos.......132 hab (total)

TOTAL DE HAB./ÁREA (ha) = 244/0,63 = 387 hab/ha

A Área total edificada será de 3.509,66 m2
O Índide de aproveitamento resultante será de 0,55
O Índice de ocupação a ser alcançado será de 0,275

As áreas úteis de cada unidade serão as seguintes:

Unidade de 1 quarto.................36,74 m2
Unidade de 2 quartos...............47,20 m2
Unidade de 3 quartos...............57,61 m2

As unidades apresentam o seguinte programa:

Unidade de 1 quarto:

SALA..................................12,69 m2
QUARTO 1.........................10,40 m2
CIRCULAÇÃO......................1,45 m2
WC........................................2,64 m2
COZINHA..............................7,75 m2
ÁREA DE SERVIÇO.............1,81 m2

TOTAL...............36,74 m2

Unidade de 2 quartos:

SALA..................................12,69 m2
QUARTO 1.........................10,66 m2
QUARTO 2...........................9,58 m2
CIRCULAÇÃO......................1,10 m2
WC........................................2,64 m2
COZINHA..............................6,75 m2
ÁREA DE SERVIÇO.............1,82 m2
WC DE SERVIÇO.................1,96 m2

TOTAL...............47,20 m2

Unidade de 3 quartos:

SALA..................................12,69 m2
QUARTO 1.........................10,13 m2
QUARTO 2..........................10,13 m2
QUARTO 3............................6,75 m2
CIRCULAÇÃO......................1,10 m2
WC........................................2,64 m2
COZINHA..............................9,13 m2
ÁREA DE SERVIÇO.............1,82 m2
WC DE SERVIÇO.................1,96 m2

TOTAL...............57,61 m2

Como se observa, os valores das áreas úteis das unidades utilizarão os 5% de variação permitidos pelo edital, para maximizar, dentro do possível, as dimensões de seus ambientes.
Na distribuição das áreas exigidas pelo edital optou-se por beneficiar as cozinhas das unidades, de vez que, em recente pesquisa publicada pela revista AU no 70, constatou-se, através de técnicas de Avaliação Pós Ocupação (APO), um índice de ocupação de 94% para esses ambientes nos conjuntos habitacionais populares na cidade de São Paulo, o qual pode, a nosso ver, ser extensivo à nossa realidade local. Por esse motivo, as áreas das cozinhas, em nosso projeto, serão maiores que as usuais para habitações desse padrão.

CONFORTO AMBIENTAL

Do ponto de vista do conforto ambiental, os blocos (com relação às suas fachadas principais) foram implantados de três formas: voltados para leste, para norte e para oeste. Percentualmente, 78,5% das unidades (44 - Blocos 1,3 e 4) voltam-se para o LESTE ou NORTE, recebendo em suas fachadas principais ventos de 1a e 2a dominâncias (leste e nordeste/sudeste) e 21.5% (12 unidades - Bloco 2) voltam-se para o OESTE. As unidades de orientação desfavorável, apesar de não receberem os ventos dominantes em sua fachada principal, são ventiladas através de suas fachadas dos fundos.
Com relação à insolação, o bloco de posição mais desfavorável (Bloco 2) será protegido pela vegetação da praça, posicionada imediatamente à sua frente.


Essa solução já foi utilizada com sucesso diversas vezes na história do urbanismo, como exemplificam as experiências de alguns complexos habitacionais na Alemanha, nos anos 20, de autoria do arquiteto Ernst May.



Römerstadt, Frankfurt, Alemanha, 1927-28 Ernst May
Fonte: Herman Hertzberger


Individualmente, o partido em planta das unidades procurou adequar o posicionamento dos ambientes principais (sala e quarto do casal) à situação em que iam ser implantados, de maneira que pudessem receber os ventos dominantes e protegerem-se do sol da forma mais satisfatória possível.
As unidades de 1 quarto tem seus ambientes principais (sala e quarto) sempre voltados para o LESTE, não apresentando problemas de conforto ambiental.
As unidades de dois e três quartos, devido à diversidade de implantações a que está submetida, apresentam seus dormitórios voltados para orientações simétricas (frente e costas) de forma que alguns deles sempre recebam os ventos dominantes, nas três situações de orientação em que estas unidades se implantam. O quarto principal, nesses dois tipos de unidade, pode ser tanto o “da frente” como o “dos fundos”, já que suas áreas são praticamente idênticas. A sala, em nossa proposta impossível de mudar sua posição, será ventilada, na situação mais desfavorável, quando voltada para o OESTE, através de sua porta de comunicação para a cozinha, esta, nesse caso, voltada para o LESTE. ( Ver Prancha 09 )
De maneira geral o posicionamento das aberturas dos ambientes (porta e janela) procuram estabelecer um caminhamento diagonal dos ventos, objetivando que ele passe na maior extensão possível pelo referido ambiente. As portas de todos os ambientes terão bandeira em venezianas para garantir a entrada e saída dos ventos.

A filosofia projetual básica que norteou a concepção desse conjunto foi a da procura da forma que melhor equilibrasse a salubridade física, higiênica, conseguida através da boa disposição, dimensionamento e orientação das unidades, e a salubridade social, alcançada pela interação de seus habitantes em suas vidas coletivas.


Para isso, recorremos a uma forma de agrupamento historicamente consagrada, posicionando as edificações voltadas uma para as outras, em torno de um espaço público. Essa implantação, como qualquer outra, apresenta pontos positivos e negativos. Se por um lado prejudicou-se, de certa forma, uma minoria das habitações implantando-as de forma inadequada, com sua fachada principal voltada para o sol poente, de onde as rajadas de vento são quase inexistentes, por outro beneficiou-se a vida extra-muros, a vida coletiva de todos, pois a convergência das edificações para os espaços de uso comum garante que estes atuem como aglutinadores sociais, já que a vida de seus habitantes transcenderá do individual ao coletivo sempre para um mesmo lugar.

PROCESSO CONSTRUTIVO E MATERIAIS UTILIZADOS

A área em questão apresenta-se, hoje, com topografia irregular e coberta com uma camada de solo vegetal o qual deverá ser retirado para a execução do conjunto. Depois dessa “raspagem”, o solo deverá ser recomposto e ter seu nível ajustado com aterro compactado.
O sistema estrutural a ser utilizado será misto. Os pavimentos térreos serão sustentados por cintamentos em concreto armado apoiados em blocos e sapatas de fundações, terão seus pisos sobre aterro compactado e seus fechamentos verticais serão em alvenaria de tijolos de barro cozido O piso dos pavimentos superiores serão sustentados por sistemas de pilares, vigas e lajes igualmente de concreto armado, com vedações em alvenaria. Haverá laje de forro sobre os pavimentos superiores, sustentada apenas por percintamento em concreto sobre a alvenaria dos pavimentos superiores.
A cobertura será em telhas de barro estruturadas em madeira, não apenas pelo seu desempenho térmico, mas também pelo objetivo estético que se busca nesse projeto.
As esquadrias externas serão metálicas, sugerindo-se a marca Sassazaki em função de seu custo e de sua durabilidade. Os quartos e salas possuirão uma esquadria de 1,20 x 1,20 com duas folhas em venezianas. Os banheiros receberão um balancin basculante com vidro medindo 0,60 x 0,50. As cozinhas terão balancins com as mesmas características do utilizado nos banheiros, mas com medidas de 1,20 x 0,50 ou 0,60 x 0,50. Já as áreas de serviço, a princípio, terão apenas um vão. Com relação às portas internas e externas das unidades, serão utilizadas portas em madeira do tipo Eucatex com ferragens tipo Fama ou outro conjunto similar.
Para os revestimentos internos sugere-se o azulejo para as áreas molhadas e o reboco paulista com pintura PVA para os demais ambientes. Todos os pisos receberão lajotas cerâmicas. Os forros (onde houver necessidade) serão todos em madeira, sendo o gesso ou o PVC opções alternativas. O revestimento externo dos blocos será em reboco paulista pintado com tinta PVA para exteriores, compondo desenhos de acordo com o projeto.
A parte de urbanização terá como materiais básicos o asfalto para as vias (tendo como opção os blocos de cimento), o piso cimentado para as calçadas e placas de argamassa ou de concreto pré-moldado para os caminhamentos.

ABASTECIMENTO DE ÁGUA

O conjunto receberá água potável diretamente da rede pública da COSANPA, a qual abastecerá cisternas coletivas, que, por sua vez, encherão reservatórios individuais de fibrocimento, posicionados sobre a laje de forro acima das escadas. A partir daí, haverá tubulações em PVC alimentando as unidades.

ESGOTAMENTO PLUVIAL E SANITÁRIO

Até o presente momento, a COSANPA não respondeu ao nosso questionamento sobre a existência e capacidade de redes de esgotos naquele local. Apesar da falta de informações, acredita-se que as águas pluviais serão esgotadas das caixas coletoras superficiais para a rede existente. No que se refere ao esgotamento dos efluentes sanitários, construir-se-ão fossas coletivas, as quais despejarão na rede existente.

ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E REDE DE TELEFONES

O abastecimento de energia elétrica será convencional, com o posteamento em concreto acompanhando as vias do conjunto, havendo transformadores e iluminação pública onde houver necessidade. Cada conjunto de escadas será, para efeitos de abastecimento, considerado como um bloco, havendo, dessa forma, padrão de entrada e medidores em cada portaria.
Com relação à rede de telefones, serão utilizados os postes de iluminação, com os armários posicionados onde houver necessidade.
Todos os aspectos que foram omitidos nesse memorial devem-se a eventuais esquecimentos ou ao fato de fazerem parte de um grupo de itens os quais podem ser discutidos posteriormente, no caso da COHAB utilizar esse projeto. A esses aspectos podem-se juntar, também, questões como desenho das fachadas (cores, etc.) e as especificações de revestimentos aqui apresentados como sugestão, mas que podem ser substituídos se a COHAB assim determinar.

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